terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Back to the future

Era uma vez uma menina cansada. Muito cansada. Ela não dormia desde 22 de fevereiro. De 1999. Precisava de sossego. Não sabia mais viver assim. Os olhos já choravam sozinhos. E o corpo não obedecia aos comandos cerebrais. Como se ela estivesse entorpecida. Dopada. E viciada.
Antes disso, as noites quentes de verão passavam-se num mundo com sete canais e só uma saída: a rodoviária. No microcosmo, um quarto com piso de taco de madeira e bichos de pelúcia na estante. No som, Shakira e Celine Dion e Guns and Roses e Pearl Jam. E ela jurava que iria ver Vedder quando este pisasse por aqui.
O apartamento ficava no primeiro andar de um edifício antigo e o cheiro de maresia e os pernilongos dividiam as esperanças e temores daquela menina. Ela queria cobrir os desfiles do Morumbi Fashion e ter uma calça jeans da Zoomp, mas gostava mesmo era do cheiro das lojas da M.Officer. Passava às tardes no shopping com as amigas esperando o menino mais bonito do colégio chegar – e ela nem o achava assim “tão” bonito. O Mc Donald´s do canal 6 tinha acabado de abrir e elas pegavam carona na praia para comer um número 4. Aos sábados, voltava para casa com o maço de Marlboro das meninas – os pais delas eram bravos. Prodigy era moderno e libertário. Mila, do Netinho, era ensaiada com coreografia por suas amigas. Ela odiava. E Ivete Sangalo ainda era da Banda Eva. Alicia Silverstone estrelava Clueless – porque ela se recusava a chamar o filme de Patricinhas de Beverly Hills. Gisele Bündchen não era über. No máximo, fazia editoriais na Capricho. Nova York tinha as torres gêmeas e Rudolph Giuliani era prefeito. No Brasil, um sociólogo ocupava a cadeira presidencial. O Google não existia. Barrados no Baile perdia status para Friends e ela sabia que seria a Monica quando adulta. Titanic ganhava o Oscar de melhor filme. O Brasil perdia a Copa por culpa da Nike. Ela alugava filmes do Woody Allen e pedia China in Box pelo telefone. Tom Ford fazia da Gucci referência. E a menina adorava o sex appeal das modelos e o make felino do desfile de Alexander McQueen. E o Startac era o celular mais avançado que só o namorado rico de sua amiga tinha. Ela esperava ansiosa o dia em que iria a Paris – nem imaginava que passaria por Jerusalém antes. Ela queria ser gostosa. E era virgem. E sonhava com o dia em que iria ao supermercado comprar caixas de leite e teria uma árvore de natal dourada como a da revista Cláudia. E filhos, sim, a menina um dia pensou em filhos. Beatriz, se fosse menina. Pedro ou João, se fosse menino. Nomes de santo, como dizia a música do Legião Urbana. A tempestade que chegava sempre tinha a cor dos olhos castanhos da menina. Ah, Renato Russo ainda era vivo. E a faculdade, um sonho. E o trabalho numa revista de moda, um objetivo. E eram as palavras de uma colunista judia num jornal de domingo que alimentavam a vontade da menina de tomar a caipirinha de lichia do Spot. Mas ela queria mesmo se apaixonar. Como as personagens de Fernanda Young. Histéricas. Ela queria mesmo. Ser assim, ser urbana, ser louca. Ser frívola e densa. Ela queria crescer.

Pois é. Essa era a menina antes de te conhecer. E ela precisou listar tudo porque queria saber se vivia antes de você. Porque não lembra da vida antes de amar você. Porque a menina não passou um só dia sem pensar em você. Mesmo quando longe, mesmo quando em silêncio.

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa que lindo seu texto...me sinto uma intrometida lendo..tão pessoal e ao mesmo tempo sem maiores detalhes.
Descobri seu blog via Vodka Barata e acho lindos seus textos.
Parabéns

Reinações de Narizinho disse...

Merci!!!