domingo, 23 de junho de 2013

Então eu me vi - ou - este não é um texto para machucar ninguém

Demora-se vidas para ver quem somos. Há quem nunca tenha se visto. Há quem tenha sempre se visto pelo olhar do outro. Há quem veja seu reflexo no espelho torto do circo e acredite mais nele do que no toque das próprias mãos. Há quem leia, faça terapia, jogue tarô, beba e vomite um chá amargo, entre em transe ou vá ao cinema para tentar ver um filete de luz que se pareça consigo mesmo. E nem assim se vê.
E há quem se enxergue claramente em um dia qualquer. Dentro do elevador. Depois do sexo. No caminho da padaria. Ou com a areia suja da cidade em que nasceu entre os dedos dos pés. Ou ainda durante um grito de protesto com os braços levantados numa avenida de prédios espelhados.

E ela se viu. Entre o outono e o inverno, entre os 33 e 34 anos. E viu uma mulher. Pequena. E meio gigante. De cabelo castanho claro, apesar de todos os pigmentos que adiciona a ele. Olhos enormes. De ressaca, depois das cervejas da sexta-feira. Com vontade de se espalhar pelo mundo, correr da praia aos alpes, de ônibus, metrô ou teleférico. Sem quinquilharias na mala, sem tristezas na nécessaire. Nada carregar-se-á do passado. Só as certezas. Sólidas. Não há ilusões.

O amor, aquele azul e trôpego, já não a emociona. Não há volta no caminho caminhado. Não se congela a vida na despedida de Bogart e Bergman. A vida é para ser vivida, usada, amassada, vomitada. Nada é para sempre.

"You are a fighter", disse o soldado cipriota. E ela é. Não porque ele diz, mas ela é. E aqueles olhos disléxicos sempre a viram por dentro mesmo, não há razões para duvidar. A fighter de risada alta e dona do próprio corpo. É difícil mesmo de acompanhar.