sexta-feira, 25 de julho de 2008

Is all about jazz

Ele escorregou suave pelo salão apertado e parou ao lado da menina de cabelos castanhos. Com um copo de uísque pela metade e um par de olhos verdes, perguntou se ela sabia o nome da banda. Ela respondeu que não e sorriu. Ele sabia, mas não disse. Em pé, continuou a conversa com outras tantas perguntas tolas e reconheceu nela um sotaque de fora. A menina passou a mão nos cabelos. E continuou sorrindo ao responder cada questão. Ela notou que ele tinha um escorpião tatuado no pulso. Mas não se atreveu a perguntar o significado. Talvez, um signo zodiacal. Talvez, um código da máfia. Não importava. No copo, só o gelo que ele agora mastigava maliciosamente. O olhar – até então fixo no rosto da menina – percorreu silenciosamente o decote da blusa branca que ela vestia. Seios redondos, não muito grandes, e morenos. Silêncio. O baixista saudou a platéia e a apresentação começou.

Jazz numa segunda-feira quente. Jazz sobre o metrô que insiste em passar a cada cinco minutos e fazer tremer o chão. Jazz para os homens. Jazz em Greenwich Village.

O menino catalão terminou a carta para a namorada que está do outro lado do oceano tomando sol em parques de Gaudí. Ele tem gtalk, mas vai mandar a carta mesmo assim. É antigo o jovem que aproveita o jazz para escolher as palavras de amor. Ao lado, Paris fechou os olhos para sentir a melodia que não a pertence. O baterista exorcizou no barulho os desencontros e os desamores. Seu rosto contraiu como os corpos quando se comem. E o êxtase veio em ondas de calor.

A menina de cabelos castanhos foi embora com o Escorpião de olhos verdes. Ele ainda não sabe, mas ela tem a palavra Liberté gravada na virilha. E ela nem imagina que jamais desejará ser livre novamente depois dessa segunda-feira. Mas ainda é cedo para tantas revelações. Ainda é julho. O menino da Cataluña guardou o caderno na mochila e pegou o metrô. Paris voltou para casa.

E eu, que sou Deus, continuo me espreguiçando nua sobre o piano que toca sozinho. E, quando o bar fecha, me cubro com o manto da noite e abençôo os corações partidos na madrugada sem fim. Porque é na Bossa Nova que encontro explicação: “A tristeza tem sempre a esperança de um dia não ser mais triste não”.

sábado, 19 de julho de 2008

Verão

Ela precisou ir para muito longe para descobrir que é o verão que colore sua aquarela.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Finlandia, Op.26, n°7 by Sibelius

Perdi seus passos pelas curvas do Central Park. Entre um lago e outro, um flerte. Entre um olhar e outro, um toque. Leve. Europeus são um pouco diferentes. Só um pouco. Ainda bem. A lua encontrou minha nuca e ultrapassou as copas das árvores para iluminar um céu de verão sem estrelas. Eu procurei por você. Perdido em alguma avenida. Talvez entre a Madison e a 6th. Talvez na Angélica. Distraída com palavras que não conheço e com a arquitetura de Frank Gehry, não notei quando partiu. Procurei por ti no piano vermelho que tocava Tchaikovsky. Nada. Meu braço roçou o dele. Enrubesci. E nem sinal de você em mim. Tentei te achar nas mãos ágeis do maestro que regia uma sinfonia de Beethoven. A quarta. Mas não foi lá que nos desencontramos. A 4th avenida não existe.

Foi então que o maestro chinês guiou meus passos pela partitura de Sibelius. Ao primeiro acorde, respirei a música. E expirei saudades. A brisa trouxe seu cheiro. E lembrei do seu jeito de sorrir. Em cada nota, meu corpo encontrou o seu. Enrosquei-me na fantasia de me dissolver em seus braços. Sentir sua pele entre as unhas. E a música foi ganhando mais vigor. Misturar-me ao seu sangue. Azul. Como os lençóis, a garrafa d’água e a luz do Ipod. Meu coração pediu afago. Meus olhos derramaram ternura. O maestro tremeu no palco. E desejei seu sexo. Oito minutos. E tudo voltou ao normal. Você guardado tão puramente dentro de mim que descobri ser impossível te perder. Mesmo quando quero ser de outro.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Let's go!


Summer rain

Ela procurou o vento. E pediu a água turva que banha a estátua. Chamou Oxum. Em outra língua. E foi atendida. O céu escorreu a noite inteira enquanto seu útero jorrou sangue latino.
Na grama molhada do Bryant Park, dividiu o mesmo chão banhado de chuva com espanhóis e com a italina que grita contente as palavras da vida. O firmamento escureceu. Mais uma noite. E ela finalmente sorriu inteira. In Manhattan.

Quando chove no verão, ela entende. E o mundo faz sentido.

The dark side of the moon

Se eu quiser, posso dizer que meu nome é Jéssica. Que tenho 19 anos. Que sou virgem. Que tenho intestino preso. Que gosto de sardinha. Que tenho chulé. Que gosto de mulher. Que moro numa casa com cinco irmãos mais velhos, três cachorros, quatro papagaios e uma iguana. Que meu pai é vereador. Que minha mãe tem botox. Que sou formada em balé clássico. Que sou alérgica a glúten. Que sei falar hebraico. Que sou budista. Que sei dirigir. Que sou alcoólatra. Que já viajei com um circo. Que moro em Araraquara. Que jogo tênis. Que sou vegetariana. Que já participei de um Big Brother. Que já tentei me matar. Que não tenho um rim porque doei para um vizinho. Que uso peruca. Se eu quiser....Mas não quero. Posso ser eu mesma. Mas quando voltar para casa, quero ficar em paz. Jogar fora o lixo. Talvez jogar algumas pessoas no lixo. Talvez uma parte de mim...I don´t know...

Street art


Lost (in translation)

Ela saiu da ilha pela primeira vez pelas pernas de sua mãe. Ela não queria se afastar do mar e da areia que à noite refrescava sua pele e seus pensamentos. Só retornou quando já era outra. Com o útero escorrendo, deixou o cabelo crescer e a pele bronzear. Selvagem. Ouviu histórias muito diferentes das suas. Os viajantes que vinham de longe traziam novidades. E um LP do Pearl Jam. Ela descobriu que queria ser do mundo – apesar de já sentir-se sufocada entre as paredes com tapeçaria indiana desde criança. Mas foi no embalo da brisa do Oceano Atlântico que entendeu como faria para sair de ilha. Again. E por vontade própria.
Aos 20, com um amor rasgando o coração e um sonho fincado na alma, partiu. Não foram fáceis os anos seguintes. Jung foi convocado para ajudar. Vestido de mulher, estava sempre acompanhado pelo fiel Tomy. Foi útil por um tempo, depois ela optou pelas salas de cinema, tatuou uma estrela na nuca e continuou andando. Da vez que enlouqueceu, trancou-se em casa. Dormiu cem anos. E quando acordou, continuou andando. Encontrou fadas-madrinhas, dragões e lagartos. Dos leões, ficou amiga para não precisar matá-los todos os dias e, das cobras, aprendeu a fazer o antídoto usando o próprio veneno. Às vezes, ela esquece tudo e finge. Às vezes, se arma. Muitas vezes chora sozinha. Mas ela ainda sabe o que quer. Mesmo que só encontre certeza no azul silencioso do 11º andar ou no sorriso cúmplice do homem que a acompanha. Mesmo sem querer (ou saber).
Hoje, ela está em outra ilha. Mais longe. Tão úmida quanto a sua ilha. Tão quente quanto seu sonho. Uma ilha deserta e cheia de gente. Caminhando de um lado para outro. Falando sozinha. Um arquipélago humano. Homens e Mulheres. Todos ilhados. Cercados deles mesmos por todos os lados. Sem pontes.
E ela.
Sem entender bem as direções, anda por ruas que não têm nomes. Sem entender bem o que dizem e nem imaginar o que sonham, ela mistura idiomas em seus pensamentos. E não chega a lugar nenhum. Mas continua andando.