domingo, 10 de junho de 2012

o dia em que a terra parou

Ela tinha 19 anos. Com um corpinho de 32. E cicatrizes de 75. E um cansaço de 93. Mas era dia de São Itamar. A rua se coloria e girava para receber os que não têm medo de sexo. O mesmo sexo. Que pararam o trânsito do centro. O centro da cidade que ela escolheu para si. Da cidade que a matou certa vez. A beijou, a engoliu, a comeu e a vomitou. A cidade tão cinza que, às vezes, é cor de rosa. Ela deu gorjeta para o taxista. No elevador, foi simpática, a menina de 19 anos. Do quinto andar, não se via a rua. Nem se ouvia o grito das bichas. Do quinto andar, só se via o homem e se ouvia um coração bater forte. Um coração de pressão alta. Do homem gigante. Que ela nem na ponta dos pés alcançava. Era dia de São Itamar e ela esqueceu de rezar. Encostada nos braços de seu gigante, ela, que fora de vidro, fora de aço, fora de vento, não quebrava. Ela suavizava. E, de repente, uma mão direita alcançou seu ilíaco. E repousou. Ela alcançou o ombro oposto do gigante, acomodou a cabeça sobre seu peito e a terra parou. Ela ouviu o freio de Zeus parando as engrenagens do mundo. Do lado de fora, a bola não rolou em dia de sansão, a chuva secou antes de tocar o asfalto, os olhares não se cruzaram, os filmes franceses não azedaram. E ele nem sabe. Mas ela viu. A terra parou. Com o braço esquerdo, ele segurou todo o mundo, parado, sobre ela. E ela respirou. Nua. Recém-nascida. E aquele coração barulhento batia em todo o seu corpo. E, depois de tudo, ela foi ver a rua da Consolação molhada da chuva e de gozo. Se fosse 2005, teria voltado para casa de sapatilhas vermelhas. As sapatilhas que vão tilintar pelo mundo. Mas é 2012 e a terra ainda para para ela. E ela só sorri. Ainda bem.