quinta-feira, 6 de março de 2008

Menininha

Aos dezesseis anos, tive medo da solidão. E só a inconseqüência da idade explica eu ter confidenciado meu temor a uma homeopata gorducha. Eram tempos de cólicas terríveis. E nada mais ameaçador do que sentir o útero virar do avesso para expelir uma vida que não aconteceu. Acho que eu teria confessado tudo.
A seis meses dos 29 anos sou minha paúra. Já sem tanto medo. Deitada na cama e olhando o teto, sei que não há ninguém para chegar a porta. O telefone não vai tocar. Nada a direita, nem a esquerda. Ninguém no coração e, na mente, uma lembrança que me deixa mais sozinha: Nitidamente vejo através dos vidros de uma janela azul, ele partindo. De mãos dadas com outra mulher. Branca e insistentemente nua. Da janela que abria para dentro daquela casa de esquina, eu entendia. Mas não queria. Eu não só não tinha uma cama Giordio Nicolli num quarto cor-de-rosa, como minha vida estava fadada a ser pintada em tons de laranja e verde e bege de uma aquarela antiga. Eu entendia. E daí? Entender não basta. Daquele sofá de molas em que ela me contou que havia parado de fumar, esperei por cartas e cartões-postais que me trouxessem notícias de quem só vi partir. Os castelos de princesas de verdade não diminuíam a vontade. Ele nunca segurou minha mão. Não sei se são quentes ou macias. Não sei se são firmes. Na minha bicicleta sem rodinhas, elas ficavam por pouco tempo. Eu pedalava duas ou três vezes e ele logo me soltava. E eu caía. E ele se zangava. E eu aprendi a segurar o choro e me fingir de forte. Que não me importava. Ele não viu minha catapora, nem minhas febres, nem meu choro pelo primeiro coração partido. Não me viu segurar o diploma da faculdade. E basicamente não me vê. Nem quando ganho um aumento, nem quando enfrento o tal do leão de cada dia. Eu ainda me faço forte. Nossos mundos só se cruzam nos cromossomos.
Aproveitei-me da geografia, como ela diz, para proclamar a minha independência - como fez um país por aí bem no dia do meu aniversário. No meu universo, vou sozinha. Sem pedir socorro. Na minha agenda, não há nenhum telefone para ligarem em caso de emergência. Na minha história, homens que se repetem partindo. E eu, estável e estática. Esperando num sofá de molas o amor chegar e me pegar nos braços. Ao fundo, nada de músicas românticas. Só a voz de Toquinho numa canção de ninar "menininha, não cresça mais não, fique pequenininha na minha canção. Senhorinha levada, batendo palminha, fingindo assustada do bicho-papão. Menininha que graça é você, uma coisinha assim começando a viver. Fique assim, meu amor, sem crescer, porque o mundo é ruim, é ruim e você vai sofrer de repente uma desilusão. Porque a vida é somente o teu bicho-papão. Fique assim, fique assim, sempre assim. E se lembre de mim pelas coisas que eu dei. E também não se esqueça de mim. Quando você souber enfim de tudo que eu amei".
Eu sei. E ele até já tinha me avisado. Mas, mesmo assim, não quero comemorar nenhum aniversário em março.

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