quarta-feira, 26 de março de 2008

Entre panelas e mosquitos

Um casal comum. Ela, argentina. De Mendonza. Ele, fluminense roxo. De ir ao Maracanã religiosamente orar em coro tricolor. Na terra dela, batem-se panelas quando o descontentamento é maior do que o charme das cidades que se dizem européias - mesmo abaixo do Equador. Na cidade dele, a maravilhosa, balas perdidas e mosquitos se revezam na função de eliminar a população.

Eles se conheceram durante um carnaval em Florianópolis. Ela fazia topless. E ele gastava dinheiro com a vodca mais cara. Viram um pôr-do-sol. Ouviram um DJ importado de Ibiza. Dançaram. Tomaram um ácido. Viram-se nus. Treparam na areia. Ela, apaixonada, decidiu sair da casa dos pais na Argentina e se mudar para o Rio, que continuava lindo. Ele, com tesão, acolheu a idéia e abriu o apartamento de Ipanema para mais uma.

Ela não cozinhava. Ele não se importava. Ela conhecia a turma do cinema argentino. Era amiga do irmão do Ricardo Darín. Com os contatos que tinha, arrumou fácil um emprego aqui. Ele administrava os negócios do pai. Não era feliz, mas nem sabia disso.

Aos poucos, ela foi descobrindo o Brasil. Na tv, via novela. Na avenida, durante o mesmo carnaval que a fez ficar, viu mulheres nuas - ou quase. Mas na praia, não podia fazer topless. Viu a polícia invadir o morro. Viu cenas de tortura numa cópia pirata do filme que ganharia o urso de outro em Berlim. Viu a praia cheia nos domingos de sol. E algumas segundas também. Viu, vez ou outra, uma manifestação pacífica pedindo paz - e, logo depois, viu as camisetas brancas encherem os bares. Em festa.

Ela não entendia. Ele voltava do trabalho. Reclamava do trânsito. Reclamava da violência. Reclamava da tv. Reclamava até de São Paulo. Reclamava, reclamava, reclamava. E nada fazia. Ia tomar uma cerveja com os amigos, ia voar de asa-delta. Um dia, chegou cansado demais. Com febre. Vomitou. Ela, preocupada, o levou ao médico. E depois de um corte de 49% na Saúde, só podia ser um diagnóstico: dengue. Ele, que era jovem, passou uns dias em casa e melhorou. Já a filha da empregada, morreu. E foi só um lamento chocho que os uniu.

À noite, eles brigaram. Era para ser uma festa tranquila numa cobertura na Barra. E foi. Para eles todos, não para ela. Todos reclamaram das faltas cada vez mais frequentes dos funcionários e empregados. Um ou outro comentava que também passara mal. E só. Os jogos do fim de semana e o BBB voltaram a ser o assunto. Ela não acreditava. Chamou alguns para organizar uma manifestação, um boicote, um grito. Nada. Todos com muitos compromissos. Ele foi quem mais a decepcionou. Disse que aqui era assim. Que não adiantava.

E assim, ela fez as malas e voltou para casa. Lá, ela pelo menos podia bater suas panelas, já que não cozinhava mesmo.

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