quarta-feira, 28 de maio de 2008

A moça

A gente reclama. Chora porque sofre - não conseguimos nunca ser o menino que nunca sofria. Até tentamos. Mas dá um cansaço e acaba que sofrer é mais fácil...
Já a moça de olhos claros e rosto redondo da avó chinesa se despedaça. Como seus progenitores. O pai foi um menino abandonado num colégio interno na Europa pelo avô diplomata e pela avó oriental. A mãe foi embora com um moço chamado câncer que, quando invade o corpo, o leva para longe. E a moça de rosto redondo sofre diferente. Se rasga. E repete a ladainha que carrega no DNA. Solidão em estado bruto.
Ela se sente sozinha. A gente também. Ela liga para a psicanalista. Compra sanduíche no McDonald´s para o menino de rua. Não dorme e não come. Sofre aos olhos de todos. E eu não sei o que dizer.
De repente, surge em minha frente uma mesa redonda de madeira pintada de branco. Uma copa em que os azulejos nunca mudam. O agudo da minha tia ecoando por todos os cômodos do sobrado de tijolos. A mão de meu avô pesando tranquila sobre a minha. Os olhos difíceis de meu pai a me fitar com um orgulho comunista e o braço esticado de meu irmão pedindo o refrigerante de dois litros.
E fico mais silenciosa. Mais invisível. Não tenho mesmo nada a dizer. E, por um instante, parece que nada sei sobre a solidão. E agradeço aos céus.

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