sexta-feira, 4 de abril de 2008

Meu Mr. Big (ou Monsieur Mersault)

No décimo segundo andar vi uma São Paulo com medo. Toda de concreto. Homens de terno e pés cansados perdidos em flats tristes no bairro que não tenho intimidade. Corredores intermináveis com carpete vermelho e fechaduras por cartão magnético. Lá dentro alguns livros em comum. Um deles, nossa cartilha. Comprados juntos por ele. O meu, um presente de aniversário que só recebeu a devida dedicatória dois anos depois e ficou em cima do chuveiro até ele ir embora. É, foi isso mesmo. Não precisa entender.
Aos 33 anos, o corpo é como eu queria que fosse aos 26. Mas não faz diferença mais. Ele se diz cada dia mais estóico, eu o acho mais humano. Mais sozinho e mais triste. E mais próximo. Como eu. Frágil às duas da madrugada. Mudamos nesses anos. E ainda somos os mesmos. A língua dele toca minha nuca e eu arrepio. Ele se excita. Comme il faut.
Na solidão dos corpos suspensos em uma capital de despedidas e pesares, ele me abraça antes de adormecer. E fica assim muito mais do que os quinze minutos que ele sempre disse ser o tempo máximo de tal aconchego. Acordo assustada e noto que a minha mão segura com força a dele. Sinto os corpos suados e o sono profundo desse braço que quase quebra minhas costelas - como o dentista fazia. É estranho. Confundo os nomes. As iniciais, que se fossem notas musicais seriam o lá, embaralham a valsa na minha cabeça. Durmo.
O movimentar da cama às quatro da manhã me encaixa de novo nos braços dele...Como deve ter sofrido este homem aos dezesseis anos. Muito cedo, ele levanta. E eu me espalho no colchão de molas. Liga o rádio, manda e-mails. Trabalha. Eu durmo. Ele me chama para conversar no banheiro apertado enquanto toma banho. Vou. Falo de Praga ou Berlim. Arrumo o blazer sobre a camisa listrada. Ganho um beijo. E me junto aos milhões que transitam por São Paulo em plena casual friday. Como se tudo estivesse correndo bem. Nos trilhos do bonde que matou Camus.

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