terça-feira, 8 de abril de 2008

A menina oriental

Contos de Fadas para a Criança Sabedoria - I

Para L.B.

A menina oriental nunca via o Sol se pôr. Só conhecia o nascente. Estava fadada a adormecer enquanto o firmamento ainda estava azul claro como um quarto infantil. Sua mãe, uma gueixa apaixonada por um dragão, a acordava quando o dia ainda estava escuro – e, talvez, nem fosse um dia propriamente dito, apenas uma nova data no calendário. Juntas, ferviam a água para o chá e comiam biscoitos. A menina ajudava a mãe a se maquiar e a apertar as inúmeras camadas de tecido do quimono lilás com bordados laranja. Aos primeiros raios de sol, caminhavam com passos curtos até a porta para ver o sol nascer. E, muito antes do entardecer, as duas desfaziam cada etapa, como se voltassem a fita do dia. Para nunca envelhecer.
Na casa de bambu e sem móveis, não havia homem algum que entrasse. A mãe da menina sempre fora fiel ao dragão que só a visitava de doze em doze anos. Apenas uma vez o traiu. Era um verão tumultuado por guerras e disputas de território. Um samurai de rosto pintando de tinta vermelha e olhos oblíquos ofereceu flores brancas e um ombro quente para que ela recostasse a cabeça à noite. E ela, em troca, entregou o corpo e os truques que só uma boa gueixa conhece. Ele se refestelou, jurou amor eterno durante o gozo mais intenso que já teve e partiu. Como quem tem um vôo marcado para Viena às seis e quinze da manhã. E a menina oriental nasceu nove meses depois enquanto o sol despontava no horizonte.
Aos quinze anos, a menina de olhos puxados conhecera o menino que nunca sofria. Apaixonaram-se. Ela era como um raio de sol. Viva. Ele, calado. E acostumado a viajar em cometas. Mas falava enquanto dormia e não sabia. A menina oriental descobriu durante as noites em claro uma saudade que ele sentia de um javali, de um sultão e sobre hortas. Mas o que mais a impressionava era que, ao esperar que ele adormecesse, descobrira que o sol se punha. E enlouqueceu com a escuridão. E se fascinou com a lua. Ele, que acordado nunca sofria, não entendia como os olhos solares de sua amada transformaram-se em luas. Quatro fases em uma única menina oriental. Cíclica.
Ambos rasgaram-se em silêncio. Angustiaram-se. Ele não entendeu e partiu(-se). Ela entendeu. E calou. Repartida.
Ele sem saber, esqueceu-se dela e não sofreu. Porque nunca sofria. Ela que, mesmo quando em lua minguante sabia que logo mais o sol nasceria de novo, enxugou as lágrimas e trocou o quimono por calças jeans. E voltara a acordar muito cedo para não precisar acompanhar o entardecer.
Mas, eu sei, de vez em quando, ainda finge que dorme. E encolhida no tatame entre os origamis de cisnes, olha para as estrelas procurando um cometa com o menino que nunca sofria. E torce para ele voltar. Como se ele fosse um dragão e ela, apenas uma gueixa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigada. Eu nunca tinha visto a menina, que aquele que nunca sofre não gosta de falar sobre isso. Mas agora eu entendo porque ele não aguentou.