quinta-feira, 10 de abril de 2008

Receita de homem

Ele precisa ser forte. Mas não daqueles que ficam sem pescoço. Basta ter braços para eu me perder e me apoiar. Bíceps. Precisa segurar minha mão, andar na frente quando descermos alguma escada e cuidar para que eu sempre fique do lado de dentro da calçada. E olhar antes do que eu para os dois lados da rua. Andar devagar quando eu estiver de salto e correr quando estivermos na praia. Abrir as portas e me deixar passar antes. Precisa me mandar flores. Mas só uma vez. Apenas para mostrar que sabe o que desejo. Precisa ter lido Camus e Nietzsche. Mas não muito. E ter gibis do Cebolinha. Ele tem de gostar da Sophia Coppola, do Woody Allen, do Lars von Trier. Do David Lynch, não. E saber, tanto quanto eu, as falas de Máquina Mortífera. Pode ter uma ou duas manias esquisitas e gostar de cinema mudo. Não precisa de bichos de estimação, mas tem de gostar de gatos. E cavalos. Aquário jamais. Precisa dirigir com cuidado e ter um relógio bonito. No armário, um terno Armani e tênis All Star. Branco. Precisa gostar de música e me ensinar os nomes que não conheço. Ganha dois pontos se tiver a voz de Eddie Vedder saindo do Ipod. Os pais devem ser comunistas. E ricos. Precisa me chamar para tomar café. Conversar. Ouvir. Beijar gostoso e me fazer gozar. E usar camisinha sem eu precisar pedir. Precisa gostar de crianças. Mas não muito. Ele vai me dar jóias em noites especiais e levar café na cama no meu aniversário. Precisa andar de bicicleta. Comer pizza e alho. Ter insônia. Algumas dúvidas, mas principalmente certezas. Não pode ser dentista, nem médico, nem engenheiro. Precisa me fazer rir. E, os feios que me desculpem, mas beleza é fundamental.

Se ele existe? Claro que não. És burra, minha filha?

Prioridades

Eu, não você. A criança sabedoria, não ele. A primeira das oito dancing queens que vai subir ao altar em junho na cidade que tem cheiro de mar e prédios tortos.

O resto que se foda.

terça-feira, 8 de abril de 2008

O outro lado

O menino que nunca sofria
De L.B., 07 de abril de 2008


O menino que nunca sofria vinha de um dinastia rica de sultões europeus. Nunca se soube que havia sultões na Europa, mas a família do menino que nunca sofria empinava o nariz e arrastava o sobrenome composto por hortas com toda a variedade de plantas. O pai do menino que nunca sofria era um homem rico e bom. Só não gostava que os animais invadissem sua horta. No passado, tinha matado um javali na frente de seus 318 filhos.
O javali era a criatura preferida do menino que nunca sofria, mas nem assim ele sofreu. Não correu para o jardim, nem chorou. Apenas tapou os olhos da mais nova, a menina-mais-simples-do-mundo. Um dia, quando um de seus 57 irmãos mais velhos lhe mostrou uma carta, em que contava em detalhes o assassinato do javali, ele rasgou a missiva em pedacinhos. E disse que não queria ouvir falar daquela história. E não sofreu. Nunca mais nos arredores da horta se falou na história do javali, que chamava Flor.
O menino que nunca sofria não guardava as histórias que não gostava, como a gente faz. Quando completou a maioridade subiu em um cometa e foi morar só na cidade que tinha ventiladores nas praças. Seu telefone tocava, como tocam os telefones daqueles que moram só e têm sorte. Mas ele não atendia. O menino que nunca sofria não atendia aos problemas. E não sofria.
Até o dia em conheceu a oriental. A menina dos olhos puxados enlouqueceu sua cabeça tão certa. E ele viveu, pela primeira e única vez, uma paixão. Paixão não combinava com ele porque rasga a gente por dentro. Rasgou-se todo, o menino. Sentia umas dores esquisitas, uma angústia sufocante, mas não soube reconhecer sofrimento. Descontente com o que não compreendia, fez uma cirurgia plástica.
Quando voltou do hospital, o menino que nunca sofria decidiu expulsar a oriental de sua vida, que paixão não era para ele. E não conseguia lidar com os órgãos internos se rasgando a cada toque. Paixão rasga a gente. Paixão machuca...continua em http://www.cilana.blogspot.com/

A menina oriental

Contos de Fadas para a Criança Sabedoria - I

Para L.B.

A menina oriental nunca via o Sol se pôr. Só conhecia o nascente. Estava fadada a adormecer enquanto o firmamento ainda estava azul claro como um quarto infantil. Sua mãe, uma gueixa apaixonada por um dragão, a acordava quando o dia ainda estava escuro – e, talvez, nem fosse um dia propriamente dito, apenas uma nova data no calendário. Juntas, ferviam a água para o chá e comiam biscoitos. A menina ajudava a mãe a se maquiar e a apertar as inúmeras camadas de tecido do quimono lilás com bordados laranja. Aos primeiros raios de sol, caminhavam com passos curtos até a porta para ver o sol nascer. E, muito antes do entardecer, as duas desfaziam cada etapa, como se voltassem a fita do dia. Para nunca envelhecer.
Na casa de bambu e sem móveis, não havia homem algum que entrasse. A mãe da menina sempre fora fiel ao dragão que só a visitava de doze em doze anos. Apenas uma vez o traiu. Era um verão tumultuado por guerras e disputas de território. Um samurai de rosto pintando de tinta vermelha e olhos oblíquos ofereceu flores brancas e um ombro quente para que ela recostasse a cabeça à noite. E ela, em troca, entregou o corpo e os truques que só uma boa gueixa conhece. Ele se refestelou, jurou amor eterno durante o gozo mais intenso que já teve e partiu. Como quem tem um vôo marcado para Viena às seis e quinze da manhã. E a menina oriental nasceu nove meses depois enquanto o sol despontava no horizonte.
Aos quinze anos, a menina de olhos puxados conhecera o menino que nunca sofria. Apaixonaram-se. Ela era como um raio de sol. Viva. Ele, calado. E acostumado a viajar em cometas. Mas falava enquanto dormia e não sabia. A menina oriental descobriu durante as noites em claro uma saudade que ele sentia de um javali, de um sultão e sobre hortas. Mas o que mais a impressionava era que, ao esperar que ele adormecesse, descobrira que o sol se punha. E enlouqueceu com a escuridão. E se fascinou com a lua. Ele, que acordado nunca sofria, não entendia como os olhos solares de sua amada transformaram-se em luas. Quatro fases em uma única menina oriental. Cíclica.
Ambos rasgaram-se em silêncio. Angustiaram-se. Ele não entendeu e partiu(-se). Ela entendeu. E calou. Repartida.
Ele sem saber, esqueceu-se dela e não sofreu. Porque nunca sofria. Ela que, mesmo quando em lua minguante sabia que logo mais o sol nasceria de novo, enxugou as lágrimas e trocou o quimono por calças jeans. E voltara a acordar muito cedo para não precisar acompanhar o entardecer.
Mas, eu sei, de vez em quando, ainda finge que dorme. E encolhida no tatame entre os origamis de cisnes, olha para as estrelas procurando um cometa com o menino que nunca sofria. E torce para ele voltar. Como se ele fosse um dragão e ela, apenas uma gueixa.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Meu Mr. Big (ou Monsieur Mersault)

No décimo segundo andar vi uma São Paulo com medo. Toda de concreto. Homens de terno e pés cansados perdidos em flats tristes no bairro que não tenho intimidade. Corredores intermináveis com carpete vermelho e fechaduras por cartão magnético. Lá dentro alguns livros em comum. Um deles, nossa cartilha. Comprados juntos por ele. O meu, um presente de aniversário que só recebeu a devida dedicatória dois anos depois e ficou em cima do chuveiro até ele ir embora. É, foi isso mesmo. Não precisa entender.
Aos 33 anos, o corpo é como eu queria que fosse aos 26. Mas não faz diferença mais. Ele se diz cada dia mais estóico, eu o acho mais humano. Mais sozinho e mais triste. E mais próximo. Como eu. Frágil às duas da madrugada. Mudamos nesses anos. E ainda somos os mesmos. A língua dele toca minha nuca e eu arrepio. Ele se excita. Comme il faut.
Na solidão dos corpos suspensos em uma capital de despedidas e pesares, ele me abraça antes de adormecer. E fica assim muito mais do que os quinze minutos que ele sempre disse ser o tempo máximo de tal aconchego. Acordo assustada e noto que a minha mão segura com força a dele. Sinto os corpos suados e o sono profundo desse braço que quase quebra minhas costelas - como o dentista fazia. É estranho. Confundo os nomes. As iniciais, que se fossem notas musicais seriam o lá, embaralham a valsa na minha cabeça. Durmo.
O movimentar da cama às quatro da manhã me encaixa de novo nos braços dele...Como deve ter sofrido este homem aos dezesseis anos. Muito cedo, ele levanta. E eu me espalho no colchão de molas. Liga o rádio, manda e-mails. Trabalha. Eu durmo. Ele me chama para conversar no banheiro apertado enquanto toma banho. Vou. Falo de Praga ou Berlim. Arrumo o blazer sobre a camisa listrada. Ganho um beijo. E me junto aos milhões que transitam por São Paulo em plena casual friday. Como se tudo estivesse correndo bem. Nos trilhos do bonde que matou Camus.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Quando o diagnóstico chega via e-mail

"Entre os fatores aparentemente associados ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout está a pouca autonomia no desempenho profissional, problemas de relacionamento com as chefias, problemas de relacionamento com colegas ou clientes, conflito entre trabalho e família, sentimento de desqualificação e falta de cooperação da equipe.Os autores que defendem a Síndrome de Burnout como sendo diferente do estresse, alegam que esta doença envolve atitudes e condutas negativas com relação aos usuários, clientes, organização e trabalho, enquanto o estresse apareceria mais como um esgotamento pessoal com interferência na vida do sujeito e não necessariamente na sua relação com o trabalho. Entretanto, pessoalmente, julgamos que essa Síndrome de Burnout seria a conseqüência mais depressiva do estresse desencadeado pelo trabalho.
A Síndrome de Burnout pode ser prevenida quando os agentes estressores no trabalho são identificados, modificados ou adaptados à necessidade do profissional, quando se prioriza as tarefas mais importantes no decorrer do dia, quando se estabelece laços pessoais e/ou profissionais dando-os importância, quando os horários diários não são sobrecarregados de tarefas, quando o profissional preocupa-se com sua saúde e quando em momentos de descontração assuntos relacionados ao trabalho não são mencionados. O tratamento para a doença é variável, pois podem ser iniciados a partir de fitoterápicos, fármacos, intervenções psicossociais, afastamento profissional e readaptações. É importante ressaltar que a Síndrome de Burnout é diferente da depressão, pois a síndrome está diretamente ligada com situações ligadas ao trabalho, enquanto a depressão está ligada a situações pessoais relacionadas com a vida da pessoa.

Sintomas:
A Síndrome de Burnout ocasiona manifestações como:
Distúrbios psicológicos: insegurança, medo, ansiedade, inquietação, aflição.
Distúrbios orgânicos: hipertensão, disfunção digestiva, problemas cardíacos e dermatológicos, dores musculares, cefaléia e insônia.
Alterações comportamentais: dificuldades em lidar com problemas do cotidiano, procrastinação, impaciência com outras pessoas, indiferença, irritabilidade, intolerância.
Mudança no estado de ânimo: apatia e insatisfação na execução de tarefas, sentimento de tristeza profunda, infelicidade.

Vulneráveis:
Profissionais mais idealistas, que “vestem a camisa da empresa”, muito dedicados, que não se permitem errar e que lidam com pessoas, tendo alguma responsabilidade sobre elas, costumam ser mais vulneráveis ao burnout. E é justamente por envolver afeto e emoções, que a síndrome acomete, principalmente, médicos, psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, jornalistas e professores. Mas pode atingir qualquer profissional e até donas de casa."

Talvez seja isso, talvez seja só a mesma dor de Nietzsche.

Chuva

Essa chuva que cobre o azul do firmamento e molha essa cidade de muitos milhões de habitantes é só parte de meus pensamentos. O cinza é a tristeza que me escorre e a água é a possibilidade de limpar a alma que anseio.