segunda-feira, 30 de março de 2009

Luana, libriana com ascendente em câncer

Contos de Fadas para a Criança Sabedoria - VI

Ela não aprendeu a contar até 10 quando criança. A primeira lição foi até 12. Começava com áries e terminava em peixes. Ela também só aprendeu a colorir o céu com a constelação de sagitário em destaque. Sabia todas as características invisíveis ao olho nu. A perfeição de uma, a teimosia, de outra. Se falava muito, era gêmeos. Se era calada, capricórnio. Na escola, era amiga de uma menina de touro. Apaixonada por um garoto de escorpião e inimiga de uma leonina. Quando adolescente, ficava horas fazendo a sinastria de sua paixonite da vez - cada semana era um diferente - quase arrancava com cabelos quando a casa 4 nos mapas eram incompatíveis.

Aos poucos, Luana, libriana com ascendente em câncer, ficou perita em identificar cada signo. Não esperava a pessoa dizer o nome e já desembestava a tecer comentários sobre seus traços de personalidade mais íntimos. Acertava muito. Magoava muito também. E não percebia. Errava ao limitar cada um que vivia ao seu lado a três ou quatro adjetivos. Mas nem ligava. Achava que estava certa e que as respostas estavam todas lá, nos astros. Esqueceu que, em dias de Sol, não eram só os aquarianos que queriam ir tomar sorvete ou sentir o caldo da melancia escorrer pelos braços. Todos iam. E que quando chovia, até a virginiana workaholic queria um cobertor e fazia brigadeiro. Com as desculpas astrológicas, se afastou do que julgava ser imperfeição dos outros.

Luana foi ficando sozinha, sem perceber. Dizia que eram os astros. Uma volta de Saturno, talvez. E, sem notar, foi perdendo a visão. Já não enxergava os sorrisos de quem estava feliz numa segunda-feira ensolarada. Também não via as lágrimas de quem perdia um grande amor. Nem o olhar languido da saudade. Não via casais de mãos dadas pelas ruas, nem o provocar dos quadris de uma mulher na pista de dança. Não via as crianças fantasiadas saindo sujinhas da escolha, nem os corpos malhando na academia. Não via quem ainda olhava para ela e nem quem fugia de seus comentários.

Um dia, Luana, libriana com ascendente em câncer, foi mexer numa madeira no jardim de casa e não viu quando um escorpião, o bicho, não o signo, se armou para dar uma ferroada em sua mão. O veneno se espalhou tão rápido que ela nem conseguiu gritar para seu pai que não acreditava em signos. Voltou os olhos cegos para o firmamento, mas como nada via, morreu sem nem poder olhar pela última vez o brilho das estrelas que ela deu tanto poder.

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