domingo, 7 de setembro de 2008

29

Nasci numa primavera. Não era o que o calendário dizia. Nem a chuva que caia lá fora e molhava o mar. Mas era o que as flores nos cabelos compridos de uma juventude que cantarolava Baby confirmavam. Logo o verão chegou. E fui bailarina no palco nu de Hair. Outonei quando Vedder cantou rouco nos meus ouvidos e o inverno chegou em forma de chuva. Escorri.

Quando novas flores nasceram não era primavera. Já era verão. E, em 1999, durou dois anos. Embriagada do amor maior que um coração pode suportar, fui solar. Dourei as paredes de Jerusalém, esparramei meu pranto em Paris e voltei para buscar você numa ladeira. Entraste em mim e eu, então outra, aceitei o homem que não tinha coração. Outonei novamente. E, nas trevas desse corpo de horror, sequei no inverno mais cruel que já se teve notícia. Descobri escombros de mim mesma. Ganhei cicatrizes. Nas chamas de um cabelo vermelho, vi o inferno. E morri. Sem saber. E nem te contei.

Salvo por alguns veranicos, o céu ficou escuro por cem longos anos. Os dias, secos. A vida, rasa. Fui embora para o décimo primeiro andar. Fui buscar o sonho. Sem poder dizer. Como a princesa que cerzia suéteres de urtiga para salvar os irmãos cisnes, calei e trabalhei. Tudo foi silêncio e aquele sorriso que me deste perdido num dia de tristeza e certeza.

Mas as sementes insistem em brotar. Mesmo no asfalto. A chuva de verão em Manhattan fez nascer a primavera em mim. De novo. A primeira flor era branca e chamava Catalunha. As outras eram de um amor ainda sem nome. E não pararam de nascer. Por todos os cantos, as flores me invadem. Pelos poros. Pelos pensamentos.

Na janela, o vento traz um cheiro quente. De chuva nova. Um cheiro quente de noroeste. E, discretamente, vejo o Destino se despedindo de Saturno. É tempo de verão.

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