sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Presente ou por que sobrevivemos

Para minha amiga Luciana

Foi quando senti a areia fria da noite entre os dedos que minhas lágrimas desabaram. O Destino havia chegado e ficou ao meu lado acompanhando meus passos em direção ao mar.
A água tocou meus pés, molhei nuca e centro da testa como que para pedir permissão para chorar sobre suas ondas. Sempre faço isso.
Precisava gritar e esmurrar a vida. Nada parecia fácil. Sofri toda a tristeza que carrego comigo enquanto buscava o horizonte – que não é nada além do ponto em que a circunferência da Terra transmuta-se em reta (como és grande, mundo!). Mas era noite. E nós, nascidos no mar, sabemos que nessa hora o céu termina não lá, distante, porque a escuridão diminui as distâncias – que digam os corpos apaixonados e perdidos madrugadas adentro! O limite entre terra e céu é a areia e a espuma das ondas. Ao alcance das mãos. Parada ali, estava, então, perto de deus.
E o Destino sem nada falar ou oferecer. Nem um lenço para meu rosto secar. Eu soluçava quando olhei para o lado e vi o Passado se aproximando. Ele trazia no braço a tatuagem das máscaras gregas com as expressões de alegria e tristeza. Parou com a água nos joelhos e apontou a paisagem que jazia atrás de mim. Olhei.
Os prédios estavam iluminados, como sempre. Os canais dividiam a cidade, como sempre. Alguns disputavam uma partida de pelada e crianças fugiam dos pais para brincar no balanço, como sempre. Ele sussurrou:
- Lembras de como eras? Lembras o que desejava? Quer vir comigo?
As lágrimas secaram. Fixei o olhar no Passado por alguns longos minutos e o abracei ternamente para dizer adeus. Ele acarinhou meus cabelos, que nas mãos dele eram de outra cor e comprimento, e disse baixinho novamente: “vá, estarei sempre aqui para lembrá-la”. Então virou as costas e caminhou sobre o mar até sumir de vista.
O Destino, já cansado disso tudo, havia se sentado na areia fofa para me esperar. Caminhei até ele e me sentei ainda recordando as palavras do Passado. Dessa vez o Destino foi simpático e emprestou a camiseta para eu sentar. Uma camiseta listrada. Conversamos um pouco sobre o que eu achava coincidência e o que imaginava ser um plano dele. Tudo errado e inverso. Destino havia planejado minhas coincidências. Arrisquei e perguntei se o Futuro não iria aparecer por ali, talvez para tomar um chopp. Destino calou-se.
Olhei novamente para os prédios. Sabia que eles estavam tão unidos com o Passado, que se eu tivesse um pensamento traiçoeiro, Passado ficaria sabendo e faria intriga para o Futuro não gostar mais de mim. E melhor não mexer com o Futuro. Ele é o mais sensível da turma, uma mísera piscadela pode transformá-lo para sempre.
Levantei-me. Tirei a areia das pernas e da bunda. Respirei fundo e me inclinei para dar um beijo no Destino. Beijo de agradecimento. “Esta tudo correndo bem, não?”, perguntei. Ele não respondeu, nem se mexeu. Eu? Segui para a cidade, já era hora de jantar, e atravessei a avenida de mãos dadas com o Presente.

Ah, e acho que o Destino sorriu timidamente enquanto o sinal ficava verde. Um riso calado de quem sabe de tudo.

(era oito de setembro de 2007)

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