segunda-feira, 1 de abril de 2013
Colagem
Ele, que já me quebrou tantas vezes, hoje me colou.
Caquinho por caquinho. Colou com aqueles olhos de menino de 20 anos que ainda vive dentro dele. E o papo furado que sempre me fez voltar para ser caco novamente. Colou com a cola da angústia que dividimos. Desse mundo perdido. Desse amor perdido que virou um amor encontrado maior do que qualquer amor pretendido.
E, no meio dessa valsa que a vida dança, só posso pensar que ter virado farelo tantas vezes só me ajuda a espatifar menos.
Mesmo que ainda me canse. Mesmo que ainda me entristeça. Hoje sou um caco grande.
Um caco maior que é colado mais facilmente. E um remendo que nem cicatriz vai deixar.
Ele me colou. E eu sorri em paz quando a porta de vidro fechou atrás de mim. A porta, de vidro. Eu, de vida.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
Era um dezembro como esse janeiro, mas sem chuva
Era dezembro. De um ano qualquer. Um ano em que os cabelos dela eram longos e cacheados. Foram muitos dezembros. A campainha fazia blin-blon. Blin. Blon. A casa de parede de tijolos permanecia em silêncio. Até que passos arrastados se apressavam para abrir a tranca da porta. Só a tranca. A chave só rodava na fechadura à noite. Um abraço, um cheiro de alho, um barulho de panela no fogo. O arroz já pronto. Faltava o feijão. E bater a cenoura no liquidificador.
A passagem pela sala-copa-área de serviço era feita rapidamente. O sol fazia o chão do quintal ferver. Lá no fundo, ele martelava, colava, pintava alguma coisa. Vestia shorts bege. E mantinha os cabelos impecáveis as custas de muito gel Bozzano. Um abraço apertado. Um beijo. E lá ia ela levar seus cachos queimados de sol até as panelas.
Abria uma por uma. Só para confirmar o que já sabia: arroz, feijão, carne moída, creme de cenoura. Às vezes, macarrão. Com molho extra só para ela. Na geladeira, a jarra de mate, gelatina, chup-chup, doce de mamão, leite desnatado, um pedaço grande de queijo, talvez fosse parmesão, maçã, mas essa ficava escondida embaixo de tudo. Em cima do móvel azul, a lata de leite condensado cozido esfriava. No branco, bananas. Nanica, ela acha. Ela pegava os pratos, queria organizar a mesa. Arrumava os talheres, os copos e guardanapos. Voltava para a sala.
Na TV, o Ponto de Vista de Cristina Franco. Ou outro quadro do Jornal Hoje. Silêncio. Silêncio para observar as fotos em cima do piano. A maior era a da menina do cabelo cacheado, mas ela nem tinha cabelo naquela primeira foto. Entrava verão, saía verão e nada do piano ser afinado como deveria. Na mesinha perto da janela, um vaso com flores artificiais e um pote outrora quebrado tentavam caçar o olhar da menina. Difícil saber o que ela pensava naquele silêncio... Que era uma princesa quando descia as escadas, que queria ser mais velha, que estava com fome, que queria beijar o menino que não dava bola para ela. Esse pote branco e azul fora colado lá no fundo do quintal, num desses dias quentes. Estava perfeito, exceto pelas marcas das cicatrizes. Mas ele sabia colar cicatrizes. Até as da menina. Até bem depois que ela perdeu os cachos. Ele colava as cicatrizes dela quando dizia baixinho "te amo".
Tudo era silêncio na sala. Ela tinha tempo de colocar as ideias em ordem. Primeiro ficar mais velha, depois ser princesa. Ou ao contrário? Às vezes a casa tinha cheiro de tinta de tecido. E Minnies e joaninhas pintadas em camisetas e fraldas.
Até que vozes começavam a ser ouvidas da rua. Uma voz. Aguda, alta, voz de quem tem olho verde e sorriso largo. Era difícil fazer baliza no Uno prata, mas ela conseguia. E sempre chegava rindo.
E a comida ia para mesa. E a menina corria até o quintal para chamar o vô, já que a voz da vó nunca chegaria até lá. E ela sempre chamava. Ele sempre respondia que estava indo, nêga. Mas falava com o papagaio do vizinho antes de sair do quintal. Tinha um pé de carambola no vizinho. E muitos gatos que faziam xixi na entrada da casa de parede de tijolos. Ele lavava as mãos. E sentava na cabeceira da mesa redonda. A menina, à direita. A esposa, à esquerda. O restante se adaptava.
E nada no mundo podia então acontecer à menina de cabelo cacheado. Nada. E se ela soubesse que um dia disso tudo só iria sobrar uma saudade da porra, ela teria ficado louca. Teria arrancados os cachos, pintado os cabelos, marcado a pele.
Mas ninguém contou. Ainda bem. Assim ela pode ficar velha achando que era a princesa desse reino de paredes de tijolos e azulejos azuis. E viver feliz para sempre.
domingo, 5 de agosto de 2012
domingo, 10 de junho de 2012
o dia em que a terra parou
Ela tinha 19 anos. Com um corpinho de 32. E cicatrizes de 75. E um cansaço de 93. Mas era dia de São Itamar.
A rua se coloria e girava para receber os que não têm medo de sexo. O mesmo sexo. Que pararam o trânsito do centro. O centro da cidade que ela escolheu para si. Da cidade que a matou certa vez. A beijou, a engoliu, a comeu e a vomitou. A cidade tão cinza que, às vezes, é cor de rosa.
Ela deu gorjeta para o taxista. No elevador, foi simpática, a menina de 19 anos.
Do quinto andar, não se via a rua. Nem se ouvia o grito das bichas. Do quinto andar, só se via o homem e se ouvia um coração bater forte. Um coração de pressão alta. Do homem gigante. Que ela nem na ponta dos pés alcançava.
Era dia de São Itamar e ela esqueceu de rezar. Encostada nos braços de seu gigante, ela, que fora de vidro, fora de aço, fora de vento, não quebrava. Ela suavizava.
E, de repente, uma mão direita alcançou seu ilíaco. E repousou. Ela alcançou o ombro oposto do gigante, acomodou a cabeça sobre seu peito e a terra parou.
Ela ouviu o freio de Zeus parando as engrenagens do mundo. Do lado de fora, a bola não rolou em dia de sansão, a chuva secou antes de tocar o asfalto, os olhares não se cruzaram, os filmes franceses não azedaram. E ele nem sabe. Mas ela viu. A terra parou.
Com o braço esquerdo, ele segurou todo o mundo, parado, sobre ela. E ela respirou. Nua. Recém-nascida. E aquele coração barulhento batia em todo o seu corpo.
E, depois de tudo, ela foi ver a rua da Consolação molhada da chuva e de gozo. Se fosse 2005, teria voltado para casa de sapatilhas vermelhas. As sapatilhas que vão tilintar pelo mundo. Mas é 2012 e a terra ainda para para ela. E ela só sorri. Ainda bem.
sábado, 11 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Hiato
(pausa no chororo para conversar com o grego no facebook. Because:
"I want to give some love to the world. It´s important to give love. Love is the answer. It's important to have love even if it is painfull")
Amor é a resposta.
"I want to give some love to the world. It´s important to give love. Love is the answer. It's important to have love even if it is painfull")
Amor é a resposta.
Stevan, Stefan, Stephan, Steffen, Ste van ou como Berlim me arrebatou de vez numa noite de Réveillon
A cidade é cinza no inverno. E os olhos dele também podem ser cinza. Ou azuis. Ou verdes. Eu duvido um pouco porque o gene do olho verde não pode deixá-lo azul, ou é um ou é outro. Mas ele interrompe o raciocínio em genética avançada com um beijo. Tão quente que poderia ser carioca. Mas não era. Nem grego. Nem francês. Era um beijo com sotaque alemão.
Tomei mais um gole de Augustiner e entrei no metrô. Em Senefelderplatz. Desci em 2012. Acordei em Neuköll.
Berlim é a cidade que abriga os desajustados. Os sem família, os que fazem sua própria família. Ela mesma uma cidade órfã. Sua mãe já foi a Prússia. Depois de um período nebuloso e um divórcio confuso, um casal lésbico cuidou dela. Duas alemanhas, gêmeas e incestuosas - Ruth e Raquel, comunista e capitalista. Quem não cabe, não se encaixa, não se entende, se encontra lá. Juro. A cidade, ela mesma, não se entende. Mas não derrapa. Não atrasa. Não se atrapalha. Uma cidade de caixas de banco punks, bichas felizes, anarquistas tatuados. Uma cidade para quem sabe a dor de ser o que é. Berlim é a delícia.
Em Berlim não precisa ter natal, mas precisa ter glüwein. Não precisa ter passado. Ela se reinventa a cada obra. A cada demolição. Uma nova Berlim dentro da antiga Berlim. Aquela que ainda é da Prússia. Aquela que tem 23 anos. Aquela que pariu meu nome do meio. E também aquela que está à frente do resto do mundo. Replicante mutante.
Em Berlim, eu teria filhos. E, por isso, quatro anos de ajuda do governo. Em Berlim, tudo seria diferente, aquele me disse um dia. E é verdade. Em Berlim eu sou eu. E basta. Em Berlim eu bebo e não acordo de ressaca. Em Berlim eu dou.
Berlim guarda a desgraça e os mármores da Grécia e também sua salvação nos cofres de Angela Merkel. Em Berlim os metrôs te levam aonde você quer.
E eu quero ir para Neuköll. Para aquele homem de 1,92m, com tatuagem no ombro esquerdo, que joga vídeo game e tem olhos que não decidem a cor. Aquele que só sei o primeiro nome, ou nem isso. Que nunca mais vou ver e que fugi como se fosse meu vizinho.
Eu quero Berlim. Agora. Aqui na Vila Buarque. Quero abrir a janela e sentir o cheio da Alexanderplatz.
Quero ir embora. Quero viver.
Tomei mais um gole de Augustiner e entrei no metrô. Em Senefelderplatz. Desci em 2012. Acordei em Neuköll.
Berlim é a cidade que abriga os desajustados. Os sem família, os que fazem sua própria família. Ela mesma uma cidade órfã. Sua mãe já foi a Prússia. Depois de um período nebuloso e um divórcio confuso, um casal lésbico cuidou dela. Duas alemanhas, gêmeas e incestuosas - Ruth e Raquel, comunista e capitalista. Quem não cabe, não se encaixa, não se entende, se encontra lá. Juro. A cidade, ela mesma, não se entende. Mas não derrapa. Não atrasa. Não se atrapalha. Uma cidade de caixas de banco punks, bichas felizes, anarquistas tatuados. Uma cidade para quem sabe a dor de ser o que é. Berlim é a delícia.
Em Berlim não precisa ter natal, mas precisa ter glüwein. Não precisa ter passado. Ela se reinventa a cada obra. A cada demolição. Uma nova Berlim dentro da antiga Berlim. Aquela que ainda é da Prússia. Aquela que tem 23 anos. Aquela que pariu meu nome do meio. E também aquela que está à frente do resto do mundo. Replicante mutante.
Em Berlim, eu teria filhos. E, por isso, quatro anos de ajuda do governo. Em Berlim, tudo seria diferente, aquele me disse um dia. E é verdade. Em Berlim eu sou eu. E basta. Em Berlim eu bebo e não acordo de ressaca. Em Berlim eu dou.
Berlim guarda a desgraça e os mármores da Grécia e também sua salvação nos cofres de Angela Merkel. Em Berlim os metrôs te levam aonde você quer.
E eu quero ir para Neuköll. Para aquele homem de 1,92m, com tatuagem no ombro esquerdo, que joga vídeo game e tem olhos que não decidem a cor. Aquele que só sei o primeiro nome, ou nem isso. Que nunca mais vou ver e que fugi como se fosse meu vizinho.
Eu quero Berlim. Agora. Aqui na Vila Buarque. Quero abrir a janela e sentir o cheio da Alexanderplatz.
Quero ir embora. Quero viver.
Assinar:
Postagens (Atom)