Contos de Fadas para a Criança Sabedoria - IV
O menino que construía prédios não tinha tatuagens. Eram as lembranças subcutâneas que marcavam sem mostrar sua pele. Ele nasceu numa cidade da Catalunha sem praias ou vento. Em volta do lago, somente casas para as famílias de três filhos. Não tinham cachorros. Nem papagaios. Seus olhos cinza viam além das montanhas. E imaginavam colunas geométricas em edifícios lineares. Era de aquário o menino que construía prédios. Da culinária do seu país, nunca experimentou as espumas do chef mais famoso. Preferia o cosmos. Alimentava-se das estrelas, das luzes que nunca se apagam na Broadway e dos prédios que outros homens faziam. Nas palavras de um idioma diferente do seu, matava sua sede.
Um dia, o menino que construía prédios e comia o cosmos conheceu a menina que nada sentia. Entre a 5th e a 6th, viram a lua se encher na praça onde os desfiles de moda acontecem. E pelos ladrilhos iluminados de luar, caminharam juntos. Cruzaram pontes, andaram sob e sobre a terra. Ouviram Beethoven e jazz. Viram um Curinga que já morreu e o prédio onde os sonhos terminam. A menina que nada sentia o ensinou a fazer brigadeiro e caipirinha. E ele respondeu com o doce da vida aos 22 anos e um copo de Long Island Iced Tea. Ela ganhou dele no pebolim e ele ganhou dela na delicadeza.
Eles estavam bem, um com o outro. Quase irmãos, quase amigos, quase amantes. Quase sem angústia, quase sem saudades, quase sem pesar – ou pensar. Mas eles não podiam ficar juntos. O menino que construía prédios precisava voltar para fazer dos terrenos vazios, arranha-céus. E a menina que nada sentia, tinha de continuar seu caminho pelos quatro cantos do mundo. Sem olhar para trás.
A despedida foi terça-feira à noite numa esquina que ela não reconheceria cinco dias depois. Os olhos cinza embriagados dele encheram os dela de lágrimas que ela não sabia o que eram. Assustada, pediu para que ele entrasse logo no táxi amarelo e disse adeus. Num vagão vazio, a menina que nada sentia, pela primeira vez, sentiu a solidão da sujeira e o fedor dos túneis antigos. E viu, ao abrir a mão, que o menino que construía prédios lhe deixara de presente uma flor branca. Pequena e perfumada. Como a esperança.
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
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Um comentário:
Muito lindo! Sensível. Alguma coisa mudou dentro de você.
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