Era uma vez uma menina cansada. Muito cansada. Ela não dormia desde 22 de fevereiro. De 1999. Precisava de sossego. Não sabia mais viver assim. Os olhos já choravam sozinhos. E o corpo não obedecia aos comandos cerebrais. Como se ela estivesse entorpecida. Dopada. E viciada.
Antes disso, as noites quentes de verão passavam-se num mundo com sete canais e só uma saída: a rodoviária. No microcosmo, um quarto com piso de taco de madeira e bichos de pelúcia na estante. No som, Shakira e Celine Dion e Guns and Roses e Pearl Jam. E ela jurava que iria ver Vedder quando este pisasse por aqui.
O apartamento ficava no primeiro andar de um edifício antigo e o cheiro de maresia e os pernilongos dividiam as esperanças e temores daquela menina. Ela queria cobrir os desfiles do Morumbi Fashion e ter uma calça jeans da Zoomp, mas gostava mesmo era do cheiro das lojas da M.Officer. Passava às tardes no shopping com as amigas esperando o menino mais bonito do colégio chegar – e ela nem o achava assim “tão” bonito. O Mc Donald´s do canal 6 tinha acabado de abrir e elas pegavam carona na praia para comer um número 4. Aos sábados, voltava para casa com o maço de Marlboro das meninas – os pais delas eram bravos. Prodigy era moderno e libertário. Mila, do Netinho, era ensaiada com coreografia por suas amigas. Ela odiava. E Ivete Sangalo ainda era da Banda Eva. Alicia Silverstone estrelava Clueless – porque ela se recusava a chamar o filme de Patricinhas de Beverly Hills. Gisele Bündchen não era über. No máximo, fazia editoriais na Capricho. Nova York tinha as torres gêmeas e Rudolph Giuliani era prefeito. No Brasil, um sociólogo ocupava a cadeira presidencial. O Google não existia. Barrados no Baile perdia status para Friends e ela sabia que seria a Monica quando adulta. Titanic ganhava o Oscar de melhor filme. O Brasil perdia a Copa por culpa da Nike. Ela alugava filmes do Woody Allen e pedia China in Box pelo telefone. Tom Ford fazia da Gucci referência. E a menina adorava o sex appeal das modelos e o make felino do desfile de Alexander McQueen. E o Startac era o celular mais avançado que só o namorado rico de sua amiga tinha. Ela esperava ansiosa o dia em que iria a Paris – nem imaginava que passaria por Jerusalém antes. Ela queria ser gostosa. E era virgem. E sonhava com o dia em que iria ao supermercado comprar caixas de leite e teria uma árvore de natal dourada como a da revista Cláudia. E filhos, sim, a menina um dia pensou em filhos. Beatriz, se fosse menina. Pedro ou João, se fosse menino. Nomes de santo, como dizia a música do Legião Urbana. A tempestade que chegava sempre tinha a cor dos olhos castanhos da menina. Ah, Renato Russo ainda era vivo. E a faculdade, um sonho. E o trabalho numa revista de moda, um objetivo. E eram as palavras de uma colunista judia num jornal de domingo que alimentavam a vontade da menina de tomar a caipirinha de lichia do Spot. Mas ela queria mesmo se apaixonar. Como as personagens de Fernanda Young. Histéricas. Ela queria mesmo. Ser assim, ser urbana, ser louca. Ser frívola e densa. Ela queria crescer.
Pois é. Essa era a menina antes de te conhecer. E ela precisou listar tudo porque queria saber se vivia antes de você. Porque não lembra da vida antes de amar você. Porque a menina não passou um só dia sem pensar em você. Mesmo quando longe, mesmo quando em silêncio.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2008
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2 comentários:
Nossa que lindo seu texto...me sinto uma intrometida lendo..tão pessoal e ao mesmo tempo sem maiores detalhes.
Descobri seu blog via Vodka Barata e acho lindos seus textos.
Parabéns
Merci!!!
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